Folha de S. Paulo
O porteiro que havia citado Jair Bolsonaro nas investigações da morte da vereadora Marielle Franco (PSOL) recuou, em depoimento à Polícia Federal, da versão dada anteriormente à Polícia Civil do Rio.
Ele disse à PF na última terça-feira (19) que errou ao atribuir ao presidente a autorização para a entrada no condomínio Vivendas da Barra de um dos acusados do crime. Também disse ter se sentido confuso durante os dois depoimentos dados à Polícia Civil em outubro.
A informação foi revelada pelo colunista Lauro Jardim, do jornal O Globo, e confirmada pela reportagem.
O porteiro havia feito menção ao nome de Bolsonaro ao depor nos dias 7 e 9 de outubro. 

Na ocasião, ele atribuiu a “seu Jair” a autorização de entrada do ex-PM Élcio de Queiroz, um dos suspeitos pela morte de Marielle e do motorista Anderson Gomes, no condomínio Vivendas da Barra horas antes do assassinato, em 14 de março de 2018.
Registros da Câmara dos Deputados mostram que Bolsonaro, então deputado federal, estava em Brasília no momento da ligação.
No controle de entrada da portaria, foi registrada a ida de Élcio para a casa 58, onde morava Bolsonaro.
O Ministério Público do Rio, porém, disse que uma perícia contradisse a declaração do porteiro e apontou a ida de Élcio para a casa 65/66, do policial militar reformado Ronnie Lessa, outro acusado do crime e que morava no mesmo condomínio.
O novo depoimento do porteiro durou aproximadamente três horas.
Segundo duas fontes ouvidas pelo UOL, ele disse à PF que primeiro errou na anotação do número da casa.
Depois, afirmou que, ao ser chamado pela Polícia Civil, ficou nervoso e passou a dizer que ouviu a voz de “seu Jair”.
A PF e a Defensoria confirmaram a oitiva do porteiro, mas não revelaram oficialmente seu teor.
Bolsonaro tem duas casas dentro do condomínio Vivendas da Barra. Além do imóvel onde ele morava com a família, em outro reside um de seus filhos, Carlos Bolsonaro, vereador do Rio pelo PSC.
Na Câmara Municipal, Carlos se envolveu em uma ríspida discussão em 2017 com um assessor de Marielle. Na ocasião, a vereadora chegou a intervir para acalmar o filho de Bolsonaro.
O assessor envolvido no episódio já prestou depoimento durante a investigação sobre a morte de Marielle. A polícia do Rio, porém, intensificou nas últimas semanas a busca por testemunhas para entender melhor as circunstâncias do bate-boca, que já era de conhecimento dos investigadores e havia sido mencionado por Carlos anteriormente.
O depoimento do porteiro à PF foi colhido em inquérito aberto a pedido do ministro Sergio Moro (Justiça).
O procurador-geral da República, Augusto Aras, determinou, por solicitação de Moro, que ele fosse investigado por possível prática dos crimes de obstrução de Justiça, falso testemunho, denunciação caluniosa e violação a um artigo da Lei de Segurança Nacional, promulgada durante a ditadura militar.
A citação ao nome do presidente na investigação do caso Marielle levou o Ministério Público a consultar o STF (Supremo Tribunal Federal) sobre a possibilidade de seguir com a investigação no Rio de Janeiro, em razão do foro especial.
A PGR, porém, afirmou que não havia indícios de envolvimento de Bolsonaro em razão dos fatos que contradiziam o depoimento.
Além da presença de Bolsonaro na Câmara em Brasília no dia do crime, uma gravação do interfone da portaria apontou que foi Lessa quem autorizou a entrada do ex-PM, segundo perícia do Ministério Público do Rio.
Essa análise foi usada pela Promotoria para contradizer o depoimento do porteiro. A Folha revelou, contudo, que a perícia não avaliou a possibilidade de algum arquivo ter sido apagado ou renomeado antes de ser entregue às autoridades.
Essa mídia com a gravação foi entregue à Polícia Civil em 7 de outubro pelo síndico do condomínio. A entrega ocorreu dois dias depois de policiais terem feito busca e apreensão na portaria do Vivendas da Barra em busca da planilha de controle de entrada de visitantes.
Após a divulgação da citação a seu nome nas investigações pela TV Globo no final de outubro, Bolsonaro reagiu em tom irritado e agressivo e fez uma transmissão em redes sociais na qual atacou a emissora e o governador do Rio de Janeiro, Wilson Witzel (PSC).
Na época, em viagem à Arábia Saudita, Bolsonaro acordou de madrugada para responder a uma reportagem do Jornal Nacional.
Além de negar envolvimento no assassinato de Marielle, Bolsonaro chamou o governador do Rio de “inimigo” e ameaçou a não renovação da concessão da Globo em 2022.
“Acabei de ver aqui na ficha que o senhor [Witzel] teria vazado esse processo que está em segredo de Justiça para a Globo. O senhor só se elegeu governador porque o senhor ficou o tempo todo colado no Flávio Bolsonaro, meu filho”, disse o presidente.
Segundo ele, o governador do Rio teria vazado essa informação da investigação porque é pré-candidato à disputa presidencial em 2022 e estaria empenhado em, segundo ele, “destruir a família Bolsonaro”. Witzel negou as acusações.